Futebol

Adilson Batista diz como foi trabalhar no Vasco e faz revelações

Desde que deixou o Cruzeiro, em 2010, no auge de sua carreira como técnico, Adilson Batista parece ter entrado num inferno astral. Foi convidado para dirigir grandes clubes do país, mas não conseguiu o respaldo e os resultados que esperava. Trajetórias curtas à frente de Corinthians, Santos, Atlético-PR, São Paulo, Atlético-GO, Figueirense e Vasco – essa última a maior, de 10 meses - fizeram com que ele perdesse espaço no cenário nacional.

Nesses oito meses longe dos holofotes, Adilson revela que rejeitou três convites. Preferiu ficar em casa e curtir um pouco a família, algo raro para quem escolhe essa profissão cigana. As recusas, segundo ele, também são consequência de um amadurecimento. “Não aceitei porque cometi erros ao aceitar alguns convites no passado. Aprendi que tenho que levar em conta a vida política do clube, quem está na diretoria, estudar o elenco, ver a tabela, as metas, quem posso contratar, quem posso levar. São fatores que influenciam”.

Como estava um pouco sumido, Adilson Batista é o personagem desta semana da seção Por onde anda? Numa conversa de quase duas horas, o técnico explicou pontualmente os motivos que o levaram a pedir demissão ou a ser demitido nesses últimos trabalhos.

Ele ainda relembra momentos de alegria e tristeza de sua passagem de dois anos e meio pelo Cruzeiro, como a frustrante perda do título da Libertadores de 2009 e a sequência vitoriosa em clássicos contra o Atlético. Adilson Batista também revela por que se arrependeu de pedir demissão em 2010, logo depois da partida contra o Santos no Mineirão.

Apaixonado pelo futebol, o ex-zagueiro acompanha diariamente pela TV o que rola nos gramados do mundo e fala também nessa entrevista sobre a admiração por Pep Guardiola e pelos colegas de profissão no Brasil, o andamento da Copa Libertadores e o calendário nacional. Para quem não sabe, ele é contra os Estaduais.

E como não poderia deixar de ser, Adilson pede à torcida cruzeirense “paciêêêência” com o colega Marcelo Oliveira nesse período de reformulação do elenco. “O Cruzeiro tem camisa, tem treinador, jogadores, história, e é respeitado. (...) A eliminação no Mineiro pode ser um mal que vem para bem, pois o time terá mais tempo de preparação agora”.

A seguir, a entrevista na íntegra:

Você está sem clube desde agosto de 2014, quando deixou o Vasco. O que tem feito nesse período?

Não tem como não estudar, não ver jogos, acompanhar, escrever, anotar. A gente sempre fez isso e continua fazendo. Estou sempre observando jogos, tentando melhorar, aprender também, claro. Gosto de ver futebol. Mas aproveito esse período também para curtir a família, os amigos, para nadar, pescar, pedalar, caminhar.

Tem sido também um período de reciclagem? Fez algum curso?

Não é questão de se reciclar, como muitos dizem. Não é um período sabático, para acompanhar esse ou aquele. Quando estive no Cruzeiro, fui ao Milan, ao Chelsea, ao Arsenal com o Valdir. Recentemente, fui ao Paraguai, vi cinco jogos. Fui à Argentina, ao Chile, assisti alguns jogos. Mas não se aprende só lá fora. Lá fora existem grandes profissionais, mas aqui também temos. O Drubscky esteve na minha casa e aprendi com ele. O Ivo Wortmann tem 400 tipos de treinos. Aprendo com eles. Quando comecei, tive uma longa conversa na casa do Vadão, que foi boa pra mim. Conversei com o Nelsinho Baptista e aprendi muito. No Rio, ano passado, conversava com Oswaldo de Oliveira, ótimo treinador. Temos grandes profissionais, temos problemas, mas aqui no Brasil é um lugar para se aprender também, não precisa ir lá fora para ganhar conhecimento. A educação nossa é o grande problema. Enquanto não investirmos em educação no nosso país, vamos ter dificuldades de entendimento do jogo, de compreensão, vamos ter pouca paciência. Nós, treinadores, atletas, imprensa, torcedor, tudo isso é uma cadeia que precisa ser melhorada. Quando se senta com Ricardo Gomes, você cresce. Ele trabalhou na Europa muitos anos. Estive dez meses com ele no Vasco. Você não imagina o quanto eu aprendi.

O Guardiola, o melhor do mundo na minha opinião, sempre diz que é um ladrão de ideias. Vai no Menotti e aprende. No Bielsa, no Tata Martino. Ele aprendeu com todos eles. Se você sentar com Tite, Felipão, Vanderlei, você aprende. O Ricardo dá aula, escreve livros. Mas se não tivemos educação, não vai ter compreensão por parte do torcedor, do jogador, não vai ter aceitação, um monte de coisas.

Você está sem clube nesse período todo por opção? Foi procurado?

Recusei três propostas nesse período. Foram três convites. Mas agradeci. Não aceitei porque cometi erros ao aceitar alguns convites no passado. Hoje, vejo que não deveria ter ido. Por ter amadurecido, hoje revejo algumas coisas. Veja que o Enderson Moreira ficou 35 dias no Atlético-PR e foi demitido. Ele é mau profissional? Claro que não. Mas há clubes em que você tem que pensar muito antes de aceitar. Há lugares onde você chega e já criam rótulos. O Telê era pé frio e virou o maior do século quando ganhou as Libertadores e os Mundiais de 1992 e 93. O futebol é assim.

Você parece então estar mais seletivo. O que lhe faria voltar ao mercado então?

Daqui a pouco chega o momento certo, a oportunidade certa, o clube certo, faz parte da retomada. Eu decido. Tenho que levar em conta a vida política do clube, quem está na diretoria, estudar o elenco, ver a tabela, as metas, quem posso contratar, quem posso levar. São fatores que influenciam. Um dirigente veio na minha casa e me chamou. Vi a tabela e eram jogos quarta e domingo, quarta e domingo. Agradeci. Quando eu treinaria o time? Se o time cair, a culpa vai ser minha. Eu aprendi isso ao aceitar alguns convites. Dei algumas cabeçadas, mas aprendi (risos).

Você já está com saudade de trabalhar como técnico?

Trabalhar é sempre bom. Eu gosto. Sempre importante. É gostoso estar no dia a dia, trabalhando, com jogos, treinamentos, a adrenalina. Isso me faz falta.

Clubes onde você foi ídolo como jogador, como Cruzeiro e Grêmio, são mais confortáveis para se trabalhar?

Não necessariamente. Não basta identificação, história. Fui revelado pelo Atlético-PR, sou sócio do clube. Muita coisa influencia, como eu disse. Guerra política, pressão, sequência de jogos, elenco. No Atlético-PR, vi que não ia dar e pedi para sair. No Vasco, eu poderia ter sido campeão carioca, mas fomos muito prejudicados pelas arbitragens. Eu poderia ter conseguido o acesso. Havia problemas políticos, Dinamite, Eurico. Poderia ter ficado lá dois anos. Mas o trabalho estava difícil, muito perde e ganha, e preferi sair. Depois da goleada para o Avaí (5 a 0), em casa, falei com o Rodrigo Caetano que queria sair.

Você deixou o Cruzeiro em 2010 e rodou: Corinthians (2010), Santos (2010/11), Atlético-PR (2011), São Paulo (2011), Atlético-GO (2012), Figueirense (2013) e por último, o Vasco (2013/14). Foi demitido algumas vezes e pediu para sair, em outras. O que aconteceu? Acha que se queimou no mercado?

2010 – Corinthians

Os resultados não vieram e lesões de jogadores importantes prejudicaram no coletivo. Não consegui peças de reposição. Foram detalhes, aqui e ali. Mas deixei coisas boas. Coloquei o Ralf no clube, indicado pelo Goiano (Luis Carlos Goiano). Mudei a forma de o Elias jogar. Hoje ele contribui mais na frente e hoje todos veem do que ele é capaz. Ele jogava de outro jeito. Muitas vezes você faz isso, muda a forma de um atleta jogar, e logo o empresário fica com raiva, o próprio atleta fica com raiva. Mas fico feliz de enxergar essas coisas. Enfim... Mas saí do Corinthians sendo elogiado pelo Andrés. Eu fico feliz por isso.

2010 /11 – Santos

No Santos eu não entendi a demissão. Estava com quatro dos principais jogadores machucados, mais quatro nas seleções de base, em segundo lugar no Campeonato Paulista e as pessoas não tiveram paciência. E depois que sai, o time foi campeão. O início do trabalho foi nosso, sem quatro titulares e sem quatro do sub-20. Tive só uma derrota. Não sei se é porque o Muricy tinha saído do Fluminense e eles queriam ele, tanto que foi contratado logo depois. Pode ter sido.

2011 – Atlético-PR

Pedi para sair. Achei que estávamos jogando até bem, mas entendi que era melhor vir outro técnico para dar uma chacoalhada. Não estava me sentindo bem por alguns motivos.

2011 – São Paulo

Era um lugar onde eu sonhei em trabalhar. Morei no CT da Barra Funda, mas empatei nove jogos. Lá é diferente de trabalhar pela pressão da torcida, pela comparação constante com o Muricy, que é um nome muito grande lá dentro. Todos que passaram lá depois tiveram dificuldade. Veja o Paulo Autuori (rápida passagem). Empatei demais, questões de detalhes, resultados que a gente lamenta. Mas gostei do clube, fui bem tratado. O presidente Juvenal Juvêncio fez elogios ao meu trabalho e, logo depois que saí, disse que o problema lá não era técnico. Foi uma grande experiência.

2012 – Atlético-GO

Perdemos lá um campeonato, que seria o tri goiano. Fomos extremamente prejudicados pela arbitragem, o Goiás foi favorecido. Fomos roubados mesmo. Um diretor falou algumas coisas na rádio, me demitiu e depois o presidente falou que foi um grande erro terem me mandado embora. O trabalho foi tranquilo dentro das circunstâncias do futebol.

2013 – Figueirense

Vieram aqui em casa, conversaram comigo, pediram para voltar, é um clube que gosto e tenho boas passagens. É minha casa. Tentamos encaixar peças de porte melhor, mas não teve dinheiro, não contratou e lá na frente a gente sabe o que acontece. Estive lá durante o Estadual e a Série B. Saí e o time subiu com Vinícius Eutrópio. Houve desgaste, promessas não cumpridas, salário atrasado. Enfim, tem hora que a gente não aguenta. Pedi para sair.

2013/14 – Vasco

Era para ser campeão carioca, fomos prejudicados no primeiro confronto com o Flamengo, era para virar líder, encostar. Na Série B, começamos prejudicados pelas punições, tivemos que fazer três jogos com portões fechados, três jogos fora. A gente foi começando devagar, empatando, perdendo, ganhando. Perdi três jogos na Série B. Quando perdi para o Avaí de 5 a 0, achei melhor sair. Foi ano político, difícil de trabalhar no Vasco, com pressão, cobrança, muita confusão. O clube fazia um trem da alegria, jogava em tudo quanto era lugar, muita dificuldade financeira. Pedi para sair. Dez meses foi muito.

Nesse período, você teve uma chance de voltar ao Cruzeiro, em 2012, quando estava no Atlético-GO. Por que não aceitou?

Estava lá no Atlético-GO e não acho justo assinar e amanhã agradecer e ir embora. Não faço isso.

Em 2010, você já tinha uma trajetória importante no Cruzeiro, mas resolveu sair. É verdade que se arrependeu? E por que se arrependeu?

Claro. Não me arrependi por passar dificuldade aqui e ali, e não ter dado certo em outros clubes. Não foi isso. A experiência foi maravilhosa em São Paulo, Santos, Vasco... Aprendi muito. Mas é que eu tinha sido alertado pelo Zezé, o trabalho era bom. Tanto que o Cuca chegou e foi vice-campeão brasileiro com o time que a gente montou. No ano seguinte, o Cruzeiro jogou um grande futebol na Libertadores. Acho que deixei coisas boas.

Arrependi de sair porque eu estava com um time bom, e foi difícil montar. O time já era consistente, eu poderia ganhar o Brasileiro de 2010 com uma peça ou outra. São decisões equivocadas que a gente toma. Por isso saí.

Eu amadureci. Eu acabei indo para clubes que não deveria. Não vou falar o clube. Hoje, a gente tem que diminuir a margem de erro. No Cruzeiro eu sempre trabalhei com autonomia total, tinha transparência, respeito, dialogava muito. A relação era boa com Zezé, Benecy, Maluf, Valdir, Alvimar, estava em casa. A gente jogava aberto e defendíamos o Cruzeiro.

Você parecia ter um motivo muito forte para sair. Parecia algo interno, algo que lhe incomodava dentro do Cruzeiro. Não era só o atrito que existia com a imprensa.

A imprensa nunca me atrapalhou. Não é um confronto, pelo contrário. Vocês fazem o trabalho de vocês e eu o meu. Eu trabalho para o clube. Eu acho que o clube precisa ser respeitado e às vezes existem as discordâncias, mas normais.

Desde 2009, você teve que administrar uma situação difícil, que era deixar o Sorín, um ídolo da torcida, no banco. O desgaste foi grande? Isso atrapalhou de alguma forma depois que ele se aposentou? Na época que você deixou o clube, o nome do José Pékerman, que é muito próximo do Sorín, foi comentado nos bastidores. Esse fator pesou na saída?

O Sorín não interferiu. Em 2009, ele estava vindo de lesão e não tinha condições de suportar 90 minutos. A gente via. Eu fui jogador, eu sei quando não dá. Não tenho nada contra ele. Sempre o respeitei. Sempre procurei ser justo. O Gérson Magrão vinha jogando bem na temporada, era o titular, e achei justo manter ele na final contra o Estudiantes. Era coerente mantê-lo.

Você tem que observar ao longo da competição para ver se foi justo ou não. O Magrão jogou a Libertadores toda. Por que na final deveria jogar o Sorín? Falam isso porque perdemos. Essa história de que ele ia entrar, ia dar um pontapé no outro jogador (Verón), isso é bobagem. Eu tinha que ser coerente, e eu fui. Basta observar o jogo anterior (jogo de ida da final) e ver o rendimento do Magrão, aspecto físico etc. O Sorín não tinha condições.

Sorín fez apenas seis jogos na temporada 2009.

Você chegou a ter alguma conversa com o Sorín depois disso. Algo para se acertar com ele?

Não tenho nada que acertar com ele. Ele era o atleta e eu comandante. A obrigação dele era ser profissional. Eu fui profissional.

Já é conhecida a história de que houve discussão antes da finalíssima, no Mineirão, sobre a forma que o dinheiro da premiação pelo título seria dividido. O Zezé Perrella daria a renda do jogo ao elenco. Isso interferiu na partida contra o Estudiantes? Você acha que errou ao não controlar isso dentro do elenco?

O treinador tem que perceber essas coisas e a gente percebe, porque teve experiência como atleta. O fato é que a gente enfrentou um grande adversário. Na final fizemos um jogo duro lá, eles com quatro oportunidades, nós com duas, uma muito clara com o Kleber. Aqui foi um jogo igual, saímos na frente. Depois se cria boato de dinheiro, briga. O Estudiantes era muito bom, com Sabella, Braña, Verón, tinha muita qualidade. Gente daquele time esteve na Copa. Olha o Sabella. Tivemos descuidos fatais, desatenções que custaram o título.

Mas e a briga por conta da divisão do dinheiro? O próprio Marquinhos Paraná, em entrevista ao Superesportes, confirmou a discussão no vestiário por dinheiro.

Como dividir dinheiro que você ainda não ganhou? Isso é o que tenho a falar. Não se pode dividir o que não ganhou. Time argentino pela frente, decisão. Não acredito que isso pesou. A gente sabe que, num clube, uns ganham X, outros Y. É normal no futebol não haver acordo entre jogadores. Mas não foi em função disso que perdemos. Enfrentamos um time bem organizado, bem treinado, a prova é que o técnico estava na Copa. Esquecem que era um Estudiantes muito bom. Não perdemos por discussão de dinheiro.

Depois daquele jogo, você parecia decepcionado com o desempenho de alguns jogadores.

Não me decepcionei com jogadores. Na verdade, eu achava que o time merecia aquela conquista pela qualidade que tinha. Me decepcionei com isso, não com jogadores. Mesmo com aquele baque de perder a Libertadores, o time foi bem ainda no Brasileiro daquele ano, isso mostra que havia comando. Quando se perde decisão, é assim, surgem teorias. Em 1997, se o Dida não pega bolas milagrosas no último jogo, dava o outro lado (Sporting Cristal). O Estudiantes do Sabella era muito bom. Tivemos duas desatenções e perdemos. São detalhes que definem o campeão e o vice. O futebol é assim. Em 2009, perdemos o Brasileiro para o Flamengo por detalhes. Alguns tropeços em casa, alguns jogos bobos fora. Alguns detalhes influenciaram lá na frente, mas era possível ganhar o Brasileiro naquele ano. O Flamengo vinha numa recuperação e se aproveitou de nossos tropeços para ser campeão. O Cruzeiro de 2009 estava pronto para ser campeão brasileiro.

Sua passagem no Cruzeiro foi marcada também pelo sucesso em clássicos. Em 12 jogos contra o Atlético, ganhou nove, empatou dois e perdeu um, com time misto. Foram 26 gols a favor e dez contra. A que isso se deveu?

Eu gostaria de não ser tachado só por vencer os clássicos. Gostaria que lembrassem de jogos que fizemos contra outros times, com futebol vistoso. Em cada temporada que estive à frente do Cruzeiro, tinha um meio-campo diferente, um ataque diferente. Relembrem o que fiz no Cruzeiro, a dinâmica, a intensidade, ofensividade, a marcação forte, o time rápido, objetivo. Aí eu fico orgulhoso. Eu mudei a forma de o Cruzeiro jogar em relação ao Dorival, em 2007. Deixei ainda uma base pronta. Eu fiz um jogo contra o Tupi com quatro volantes e ganhamos de 7 a 2. Gosto de mexer no time. Hoje estão procurando meia no futebol mundial, o que é uma bobagem. Barcelona, Real, Bayern não jogam com meia.

Mas o fato é que você ficou marcado como papa clássico. Não tem jeito de rejeitar esse rótulo.

O Cruzeiro jogava bem contra eles, é verdade. Fizemos grandes jogos, tanto que na única derrota, por 3 a 0, tivemos a expulsão do Zé Carlos no começo e tínhamos time misto. Acho que aquela série se deveu à qualidade dos jogadores. Foi uma grande geração.

Sua preleção era diferente antes do clássico? Qual era o segredo? Só o time bom do Cruzeiro?

Não, eu sou bem tranquilo, verdadeiro, autêntico, realista. Mostro o que eles têm que fazer em campo, mostro o que é preciso explorar no adversário.

Mas sempre existiu rivalidade, a cobrança do torcedor por vencer, da diretoria, a nossa mesmo. Era um jogo diferente, especial, e a gente viveu grandes momentos pela qualidade dos atletas.

Hoje, o Cruzeiro não vence o Atlético há 11 jogos e isso incomoda muito a torcida. Vê alguma explicação para isso?

Primeiro, gosto muito do Marcelo Oliveira, um excelente treinador, bicampeão brasileiro, e não gosto de interferir. Se você olhar os jogos recentes, são jogos equilibrados. Veja na Copa do Brasil, no Independência, no Mineirão. São detalhes que acabam pesando.

Na minha época, acho que a pressão de eles ganharem do Cruzeiro pesava. A pressão acaba atrapalhando. Isso pode influenciar também.

Um torcedor do Cruzeiro chegou a convidá-lo para assistir ao clássico do último domingo, alegando que você é pé quente. Como recebeu esse convite?

O menino me chamou. Me fez o convite. Agradeci. É coisa de torcedor, de carinho, de respeito. As pessoas gostam da gente, mas não tinha nada a ver. Fico na torcida de longe. (risos)

A sequência do Cruzeiro em clássicos na era Adilson Batista:
9/3/2008 - Atlético 0 x 0 Cruzeiro - Primeira fase do Mineiro
27/4/2008 - Atlético 0 x 5 Cruzeiro - Primeiro jogo da final do Mineiro
4/5/2008 - Cruzeiro 1 x 0 Atlético - Segundo jogo da final do Mineiro
13/7/2008 - Cruzeiro 2 x 1 Atlético - Primeiro turno do Brasileiro
18/10/2008 - Atlético 0 x 2 Cruzeiro - Segundo turno do Brasileiro
17/1/2009 - Cruzeiro 4 x 2 Atlético - Torneiro de Verão
15/2/2009 - Cruzeiro 2 x 1 Atlético - Primeira fase do Mineiro
26/4/2009 - Cruzeiro 5 x 0 Atlético - Primeiro jogo da final do Mineiro
3/5/2009 - Atlético 1 x 1 Cruzeiro - Segundo jogo da final do Mineiro
12/7/2009 - Cruzeiro 0 x 3 Atlético - Primeiro turno do Brasileiro
12/10/2009 - Atlético 0 x 1 Cruzeiro - Segundo turno do Brasileiro
20/02/2010 – Atlético 1 x 3 Cruzeiro – Sexta rodada do Mineiro

Sei que é um tema espinhoso, mas como vê o Cruzeiro hoje, depois dessa reformulação?

Mudou o time, muda a forma de jogar. Não é tão simples como pensam. Precisa ter paciência, entender as características dos jogadores. Perder Everton Ribeiro e Goulart não é fácil. Eles faziam a diferença. Não quero comentar, pois tenho carinho grande pelo Marcelo, tenho carinho pelo Cruzeiro, não é hora de comentar.

Mudando de assunto, qual a sua avaliação dessa Libertadores?

A gente viu Corinthians e San Lorenzo, um grande jogo. O River estava fora, agora está dentro. O Boca ganhou os seis jogos, mas não vi nada demais. Bom time, mas não é o Boca de antigamente. Ano passado, com Grêmio e Cruzeiro, dava para os dois ganharem. Mas são detalhes. É muito cedo para falar de campeão. O Corinthians já era forte, sendo eliminado no Paulista, vai ter a semana cheia para trabalhar pensando na Libertadores.

O Cruzeiro vai passar e vai ter semana cheia. Isso pode ajudar. A eliminação no Mineiro pode ser um mal que vem para bem.

É cedo para cravar este ou aquele. Existe história, tradição, camisa, e o calendário interfere. Uma série de coisas pesa nos confrontos. O Corinthians tinha sido o primeiro em 2010, pegou o Flamengo e saiu no Pacaembu. O River pode tirar o Boca, melhor até agora. E ai? Vai crescer no torneio se isso acontecer. A gente olhando ano passado, cravava Cruzeiro e Grêmio como campeões. Deu San Lorenzo.

O Cruzeiro está muito instável, mas você vê potencial para título?

Tem que respeitar o Cruzeiro, a camisa, a sequência, o elenco. Perderam peças, mas grande parte está aí. O Cruzeiro tem camisa, tem treinador, jogadores, história, é respeitado, e nos confrontos terá mais tempo de preparação. Isso muda o panorama totalmente.

O Abel Braga revelou num programa de TV que está cansado de trabalhar no Brasil pela desorganização. Qual a sua opinião?

Sou contra os Estaduais há anos. Desde atleta. A gente jogava 90 jogos por ano no Grêmio, 97 jogos às vezes. Hoje, está todo mundo fazendo 80 partidas. E na Europa o cara joga 60, e você vê a qualidade, a intensidade que isso gera. Os meninos hoje sabem mais nomes dos atletas do exterior do que dos nossos. Será que nós é que temos culpa disso? Tem que melhorar o calendário. É possível continuar como estamos, de janeiro a dezembro, mas ampliando o Brasileiro, eliminando os Estaduais.

E o que seria dos clubes do interior, como a Caldense, finalista do Mineiro?

Você aumenta os participantes das séries do Brasileiro e inclui os times do interior. Cada um tem que jogar no seu nível. Não adianta jogar alguns jogos com duas mil pessoas, nível técnico baixo. Não acrescenta em nada, desperdiçamos 23 datas de janeiro a maio. E quando chega o Brasileiro, tem data Fifa, perde-se jogador para seleções, tem Copa América.

Jogar no domingo e na terça, como aconteceu com o Cruzeiro, é uma vergonha. Absurdo. A arbitragem no Rio é uma vergonha. Isso é vergonha para nós, brasileiros. Quem tem que mudar isso é o presidente de Federação, da CBF. Depende deles um futebol melhor. Mas o que temos visto é triste. Ver o Mineiro é duro. São jogos deprimentes. A gente sofre vendo e tira muito pouco.

Você para pra pensar e se pergunta: quem esse time do interior revelou? Quem foi para o grande? Gastar 23 datas com Estadual não dá. Em Minas, 15 datas. No Paulista, você restringe a 28 jogadores inscritos. Na Libertadores, com 25 jogadores inscritos, já tive três no banco com o Cruzeiro em Caracas. Na Europa os caras têm 25 jogadores, mas jogam 60 (partidas).

A Caldense, finalista deste ano, com números excelentes, está nesse bolo ruim?

Vi bons jogos da Caldense. É jogo. Tem que jogar a final. Não dá para prever. Atlético é favorito mesmo assim.

Os clubes hoje estão caindo na real e pagam salários mais baixos. Vocês, técnicos, passarão a ganhar menos. Está justo?

É a economia. A economia está gerando isso, os clubes estão trabalhando mais dentro da realidade. Mais cuidado com orçamento. Está difícil arrecadar dinheiro. O meio é muito concorrido. Veja quantos treinadores ganharam o Brasileiro nos pontos corridos. Muricy ganhou quatro, Luxemburgo dois, Marcelo dois. O grau de dificuldade é enorme. E quem ganha ficou muito tempo no clube. Hoje, o São Paulo troca muito de técnico e não ganha. A carreira de técnico mudou, está todo mundo estudando, ligado na tecnologia, você sabe de tudo, tem mapas, exames, e você tem que estudar para não ficar para trás.

Você, aos 47 anos, tem que sonhos na carreira de técnico?

Sou novo, espero treinar por mais uns 13 anos, e daí a gente vai para a função do Maluf (risos) (Eduardo Maluf, que exerce a função de diretor de futebol) . Minhas metas são ambiciosas, marcar história num clube. Estou atrás. A Libertadores é um sonho, uma intenção.

Paralelamente a isso, aos títulos, gosto também de contribuir com o atleta, que ele seja mais profissional, que tenha um espírito, que tenha respeito pelo clube onde joga. É missão do técnico fazer o atleta evoluir como pessoa e como profissional.

A relação com o torcedor é a grande dor de cabeça de um técnico?

O torcedor é paixão. Ele quer resultado. Você tem que mostrar com o tempo, mas sempre procurei respeitar. A torcida às vezes é fria contigo, não ajuda o time tanto, não joga junto como deveria. Esse é o outro lado. Às vezes, não tem paciência, não compreende.

Dirigentes de futebol interferem muito no trabalho?

Nunca interferiram no meu. Sempre foi tranquilo trabalhar, com autonomia. Sempre ouvi, isso é importante, mas sempre tive o tratamento respeitoso.

Por que os treinadores argentinos são mais reconhecidos no exterior, na Europa? Tem relação com a língua?

Felipão fala inglês, Oswaldo, Autuori, René também. Vários falam espanhol, e a língua do futebol é universal. O problema é que os grandes empresários não estão nos dando a oportunidade, ou por não termos o curso da Uefa, da Conmebol, da Inglaterra, o curso americano. É a dificuldade que temos. Mas não devemos nada a eles. O Bielsa não ganha um título há quantos anos? O Vanderlei é multicampeão. O Muricy tem quatro brasileiros, e não é tão simples ganhar. Temos que melhorar a condição do profissional brasileiro. Converso com muita gente, já trabalhei com vários jogadores que atuaram fora. Os daqui são ótimos, são capacitados. Parreira já esteve no Valencia, Carlos Alberto Silva no Porto, Luxemburgo no Real. No Chelsea só o Mourinho fica. Reparem Os outros passam. Aqui não ficamos no comando. Não paramos. Os empresários dos argentinos são bons.

E por que Guardiola é o melhor técnico do mundo na sua opinião?

Guardiola é o melhor, isso é indiscutível. Ele muda, troca, muda sistema durante jogo, faz rodízio, tira da lateral e põe no meio. É gostoso ver isso. É o treinador que faz a gente pensar. Ele está sempre pensando, criando soluções, alternativas. O Tata Martino é ótimo também, fez um ótimo trabalho no Newell’s, foi para o Barcelona. No Brasil, dos técnicos de hoje, gosto de Muricy, Oswaldo, Felipão, Vanderlei, Nelsinho Baptista.

Fonte: Superesportes