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Para encerrar concessão do Maraca, governo terá de arcar com altos custos

 A concessão do Maracanã para uma empresa privada, controlada pela Odebrecht e com participação da IMX, de Eike Batista, trouxe uma mudança na concepção de administração do estádio. Com foco no lucro, a gestão passou a ter como meta conquistar um público com maior poder aquisitivo. Porém, o momento do país não ajudou. A concessionária da nova arena recebeu a estrutura logo após a Copa das Confederações, marcada por protestos pelo país. Apesar de não aceitar que o Estado retome o controle do complexo, o governador Sérgio Cabral cedeu a parte das pressões públicas, desistiu de demolir o Célio de Barros e o Julio de Lamare, e alterou, portanto, o projeto em pontos cruciais.

O novo espaço abrigaria, entre outras coisas, um edifício-garagem, fonte de receita e possibilidade de conforto máximo para os usuários dos setores vip. O governador deu prazo para que a concessionária apresentasse nova proposta para a manutenção do contrato, o que foi feito. Essa proposta, contudo, não foi aceita e uma nova foi entregue na última sexta-feira pela empresa. O GLOBOESPORTE.COM teve acesso ao contrato de parceria público privada número 27/2013. Nele, estão detalhados os termos da concessão e as opções e direitos de governo e concessionária para encerrar, ou manter, o compromisso assinado por 35 anos diante das alterações.

 Questionada sobre o assunto, a assessoria da concessionária informou que a empresa não trabalha com a hipótese de rescisão e que uma nova proposta foi entregue ao governo na última sexta-feira.

- Não consideramos a hipótese de rescisão do contrato, pois não há motivação operacional nem jurídica para isso . De qualquer forma é princípio universal a garantia do equilíbrio econômico-financeiro inicial de qualquer contrato público. (...) A concessionária entregou nova proposta respeitando o prazo de 15 dias concedidos pelo governo. Existem diversas possibilidades técnicas de viabilização destas obras complementares/incidentais que serão discutidas até se chegar a um consenso – afirmou a empresa, por e-mail, negando acreditar que a crise nas empresas de Eike Batista possa interferir na decisão do governo, visto que a IMX possui 5% do Complexo Maracanã S.A..

Opções de rescisão

A cláusula 27 do documento apresenta os artigos que tratam do término do contrato, prevendo diversas situações, entre elas a alteração unilateral dos termos da parceria por parte do governo. O advento do termo contratual, ou o fim da vigência do acordo, prevê nova licitação ou nova concessão, e que uma desmobilização operacional tem de ser iniciada oito meses antes de o contrato se encerrar. Nesse caso a concessionária ainda pode ter direito a uma indenização por parcelas investidas em bens reversíveis (todos os bens do complexo vinculados à concessão administrativa), ainda não amortizadas ou depreciadas, “com objetivo de garantir a qualidade do serviço“. Porém, ainda é incerto se, de fato, a concessão chegará a esse ponto.

 A opção mais provável do governo, no caso de decidir por nova licitação, é descrita na cláusula 29, a encampação. O artigo 29.1 do contrato avisa que o “Poder Público poderá, a qualquer tempo e justificadamente, com a finalidade de atender ao interesse público e mediante lei autorizativa específica, retomar a concessão mediante encampação, após prévio pagamento de indenização“.

Associado do escritório Bichara e Motta Advogados, o especialista em direito administrativo Marcelo Franklin analisou as cláusulas de rescisão da concessão a pedido do GLOBOESPORTE.COM. Ele confirmou que a encampação é a opção mais evidente no caso de o governo desejar encerrar o contrato. Porém, ele enxergou falhas na redação de um dos artigos, que deixa em aberto, segundo o advogado, parte do valor da indenização para este tipo de rescisão.

No item 29.3 do contrato é detalhado o montante a ser pago pelo governo, em dinheiro, conforme o escrito. Valor contábil dos investimentos em bens reversíveis não depreciados ou amortizados, acrescido de montante adicional necessário à liquidação do saldo devedor dos financiamentos incorridos pela concessionária; todo e qualquer custo de desmobilização, devidamente comprovado; “montante adicional em dinheiro necessário a assegurar à concessionária, no cômputo geral de sua indenização, descontados todos os custos de desmobilização acima referidos, um retorno real anual, equivalente à taxa de retorno declarada pela concessionária no plano de negócios“.

Cláusula confusa sobre indenização

Neste plano de negócios, apresentado no anexo 7 do contrato, estão dispostas tabelas de custos operacionais, receitas e o fluxo de caixa estimado para todos os anos da concessão. A partir de 2027, já com o fluxo de investimento zerado, a concessionária estima lucro operacional anual que varia entre R$ 90 e R$ 95 milhões. No entanto, no primeiro ano do contrato, está previsto prejuízo operacional de R$ 43,8 milhões. Logo, se considerado o valor de 2013 para a indenização de “um retorno real anual”, a concessionária nada teria a receber, ao passo que, a partir do segundo ano de contrato, já está previsto lucro operacional de R$ 19,3 milhões. Para 2018, a projeção de lucro atinge R$ 84,8 milhões no quinto ano do contrato, já encerrados os investimentos em obras incidentais.

- O Poder Concedente pode realizar a encampação, desde que observe a indenização, que seria a devolução dos investimentos, assumir as obrigações contraídas pelo consórcio a longo prazo com eventuais financiadores, e além disso o que o contrato especifica como um ano de verbas estipuladas no plano de negócios, anexado ao contrato. Mas essa receita anual é variável, no primeiro ano é prejuízo, e a cláusula a meu ver não está clara em relação ao ano a ser considerado para calcular essa indenização. Se seria o ano da rescisão, ou uma média entre a estimativa para todos os anos do contrato – explicou Franklin.

Adiante, na cláusula 30, é regulada a caducidade do contrato, a não execução total ou parcial do acordo por parte da concessionária, permitida a partir do momento em que constatadas “a seriedade e gravidade das infrações cometidas pela concessionária e restando infrutíferas as aplicações de retenções e/ou penalidades“. Neste caso, a obrigação de indenizar o Poder Concedente é da empresa, que também pode pedir a rescisão do contrato por descumprimento do governo “amigavelmente ou mediante ação judicial movida especialmente para este fim“. Neste caso, a empresa é obrigada a manter o serviço “até que seja proferida uma decisão judicial“. A indenização para a concessionária seria a mesma aplicada contra ela no caso de encampação.

Obrigação de assinatura com dois clubes por 35 anos

 Há uma questão polêmica. A cláusula 12, que trata da vigência e eficácia do contrato. É descrito como requisito fundamental para validação da concessão o cumprimento das “condições suspensivas”, entre elas “assinatura, por pelo menos dois dos principais clubes do Rio de Janeiro, de compromisso ou contrato para utilização do estádio do Maracanã por todo o prazo de vigência do presente contrato”. Em seguida, o artigo 12.2.1 diz que “caso o licitante não cumpra as condições suspensivas no prazo de 90 dias da homologação do resultado da licitação, perderá o direito ao contrato, estando o Poder Condedente autorizado a convocar o segundo colocado na licitação ou realizar nova licitação“.

Isso daria, em tese, direito ao governo de encerrar a concessão por caducidade, visto que somente o Fluminense assinou acordo para jogar no Maracanã por toda a vigência do contrato. Dessa forma, a empresa pagaria indenização ao governo, não o contrário.

O advogado Marcelo Franklin, contudo, enxergou brechas legais para que a concessão continuasse mesmo sem dois dos grandes clubes do Rio terem assinado por toda a vigência do contrato:

- O contrato prevê a possibilidade de acordos para alteração de cláusulas, então isso pode ter sido alterado. A concessionária também pode argumentar que não tem responsabilidade no caso de os clubes não estarem querendo fechar e tentar, em tese, configurar isso como um caso fortuito, alheio à vontade das partes, para que isso não seja considerado uma inadimplência contratual. Ou, também em tese, a concessionária pode também requerer a rescisãoo do contrato, pois houve modificação no seu escopo – analisou Franklin, destacando que esse tipo de divergência terá de ser resolvido no foro indicado no contrato, a Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem.

Na cláusula 13, são definidas as possibilidades e regras de alteração do contrato e demais aditamentos. Há possibilidade de indenização no caso de alterações unilaterais e o texto ressalta que é obrigatória a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do acordo. O artigo 13.1 determina:

“Poderá haver alteração do contrato nos seguintes casos:
I - unilateralmente, pelo Poder Concedente, em decorrência de eventual necessidade de adequação do presente contrato às finalidades do interesse público e;ou adequação do contrato à nova realidade, alterada por fatos supervenientes ao contrato, desde que não seja alterada a substância e/ou a essência do contrato e/ou não torne inviável sua execução e observado em qualquer caso a necessidade de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Das decisões do Poder Concedente impondo qualquer alteração unilateral caberá manifestação de divergência da concessionária, nos termos desta cláusula.
II - por mútuo consentimento entre as partes, para atender a quaisquer dos objetivos constantes no item “I“ supra, para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ou para implementar qualquer alteração prevista ou permitida pelo edital de licitação, ou pelo contrato ou pela legislação aplicável.

O contrato prevê ainda a situação de falência da concessionária, determinando que nesse caso a concessão será extinta a partir do momento em que existir sentença judicial transitada em julgado.

Investimento obrigatório

Os termos seguintes definem o valor estimado do investimento para aplicação do percentual da garantia de performance (10% do total de investimentos, sendo reduzida a 3% a partir do fim das obras incidentais) é de R$ 594.162.148,71 e, caso o valor total efetivo das obras incidentais seja inferior, a diferença apurada reverterá ao governo, mediante aumento do valor de outorga (R$ 5 milhões anuais) e pagamento proporcional nas “parcelas vincendas“. No plano de negócios, anexo 7 do contrato, porém, os investimentos estimados atingem R$ 721 milhões.

Assinam o documento o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral; o secretário de estado de Esporte e Lazer, André Lazaroni; o presidente do Complexo Maracanã Entretenimento S.A., João Borba, e seu vice, Bruno Barbosa Wegmann da Silva. Completam as assinaturas mais quatro testemunhas, sendo duas ligadas ao governo e duas à concessionária.

O contrato de parceria público privada número 27/2013 foi assinado no dia 4 de junho pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, o secretário de Esporte e Lazer, André Lazaroni, o presidente do Complexo Maracanã Entretenimento S.A, João Borba, e seu vice, Bruno Barbosa Wegmann da Silva. O GLOBOESPORTE.COM obteve a íntegra do documento, de centenas de páginas, através de pedido feito pela reportagem através da lei de acesso à informação. A cópia do contrato foi liberada em cerca de 20 dias..

ENTENDA A CONCESSÃO DO MARACANÃ

O Complexo Maracanã S.A. é a empresa que venceu a licitação para concessão por 35 anos da estrutura, que inclui, além do estádio, o Maracanãzinho, o estádio de atletismo Célio de Barros e o parque aquático Julio de Lamare. A seguintes empresas participam da sociedade da concessionária: Odebrecht Participações e Investimentos S.A. (empresa líder, com 90%), IMX Venues e Arena S.A (de propriedade de Eike Batista, com 5%) e AEG Administração de Estádios do Brasil LTDA (também com 5%).

O resultado da licitação foi anunciado no dia 9 de maio deste ano. O grupo apresentou toda a documentação necessária para o processo de licitação e foi aprovado por unanimidade pela Comissão Especial de Licitação, superando o "Consórcio Complexo Esportivo e Cultural do Rio de Janeiro" - composto por Construtora OAS S.A., Stadion Amsterdam N.V. e Lagardère Unlimited. O concorrente teria cinco dias para recorrer do resultado da licitação, mas abriu mão da medida.

Porém, em junho, o cenário político em todo o Brasil ferveu. Manifestações tomaram proporções surpreendentes, atingiram também a realização da Copa das Confederações com protestos próximos a arenas e, no Rio de Janeiro, fez despencar a popularidade do governador Sérgio Cabral. Diante do clamor popular pela manutenção do Célio de Barros e do Julio de Lamare, o governador voltou atrás, após já assinada e homologada a concessão, e anunciou que manterá as estruturas.

Desde então, governo e concessionária negociam a manutenção do contrato por 35 anos. A primeira proposta da empresa em função das alterações – a área geraria receita com a construção de edifício-garagem – foi rejeitada pelo governo no fim de setembro. A empresa emitiu nota oficial afirmando que considera o contrato válido e informou que entregaou nova proposta na última sexta-feira.

Fonte: ge